O herói do Algarve
A lenda atribui-lhe feitos bíblicos.
A História reduziu-lhe as dimensões.
Mas, em qualquer caso, foi um grande guerreiro: conquistou boa parte do Algarve.
Para termos uma ideia da importância e da fama que Paio Peres Correia teve aos olhos das gerações seguintes à sua, bastará recordar algumas das lendas que lhe estão ligadas: dizia-se que, tal como Moisés, também ele fizera brotar água da rocha, para matar a sede aos seus guerreiros; e dizia-se ainda que, tal como Josué, também ele obrigara o Sol a parar no seu percurso para poder derrotar os Mouros numa grande batalha.
Deixando de lado os prodígios bíblicos, diremos que este guerreiro terá dado um auxílio decisivo a dois dos nossos reis, D. Sancho II e D. Afonso III, na conquista do Algarve. O que faz dele, não já um fundador, mas um dos construtores de Portugal. Acrescente-se que a sua acção não teve somente uma dimensão nacional, mas estendeu-se a toda a Hispânia cristã.
Não se conhece a data de nascimento de Paio Peres; tanto pode ter sido em 1205 como num dos últimos anos do século XII. Julga-se que pertencia à família dos senhores da honra de Farelães (região de Barcelos). A sua vida esteve, desde muito cedo, ligada à ordem militar de Santiago. Sabe-se que em 1230 já estava integrado nesta Ordem, implantada tanto em Portugal como em Castela. No seu seio, o jovem guerreiro ganhou importância rapidamente, pois que em 1235 já era comendador de Alcácer ou talvez, mesmo, mestre provincial de Santiago. Nesta qualidade, e à frente da milícia dos espatários (nome dado aos freires de Santiago), auxiliou D. Sancho II na sua conquista (em certos casos, reconquista) do Alentejo: participou na tomada de Aljustrel, que lhe seria doada pelo rei, e provavelmente nas tomadas de Alvalade, Juromenha, Beja e Mértola. Foi, aliás, para Mértola que Paio Peres Correia transferiu a base principal da Ordem portuguesa, que antes estivera em Alcácer do Sal. A vila era, quer para fins defensivos quer para fins ofensivos, um posto de vigilância sobre o Algarve.
Quanto às conquistas algarvias de Paio Peres, pelas quais ele se celebrizou, levantam-nos ainda hoje problemas cronológicos – depois de, na sua época, terem levantado, possivelmente, problemas políticos. Parece bem estabelecido que, após ter-se instalado em Mértola, o chefe dos espatários portugueses se lançou sobre o Algarve, onde se haviam perdido as principais conquistas de D. Sancho I, e tomou aos Mouros Cacela, Ayamonte e Castro Marim. Depois viria a conquistar Estômbar, Alvor, Silves e Tavira. Esta última acção seria, de certa forma, uma represália pela morte de sete cavaleiros portugueses cercados a abatidos pelos Mouros. Ou, pelo menos, é o que conta a tradição. Aqueles sete homens, mortos perto do lugar das Antas, estavam todos ligados a Paio Peres: D. Pedro Pais, Mendo do Valle, Damião Vaz, Álvaro Garcia, Estêvão Vasques, Valério de Ossa, e um mercador, Garcia Rodrigues, que fornecera informações preciosas sobre as movimentações dos Mouros. Os ossos desses sete cavaleiros estão hoje na igreja de Santa Maria do Castelo, em Tavira, em local assinalado por uma lápide que, aliás, conta uma história diferente: terão morrido durante o ataque à cidade, versão que parece mais lógica.
Cavaleiro da Ordem de Santiago
"Correia” com aspas
Paio Peres Correia: este último nome, deveríamos escrevê-lo entre aspas, já que, na época, não era ainda um apelido e sim uma alcunha herdada. Não havia, então, apelidos. O próprio nome “Peres” indica simplesmente que aquele Paio (abreviação vernácula de Pelágio) era filho de um homem chamado Pêro (Pedro).
Como se referiu, “Correia” era uma alcunha herdada – neste caso, ao que se julga, de um bisavô ilustre, Soeiro Pais, que – ao ver-se cercado pelos Mouros no castelo de Montemor-o-Velho, e faltando-lhe provisões, decidiu comer (ele e os seus companheiros, julga-se...) os arreios de couro do seu cavalo e as correias da sua armadura. Daí que passassem a chamar-lhe “o Correia”, para, assinalando a sua acção, o distinguirem de outros Soeiros Pais.
Esta tradição é, pelo menos, plausível, porque muitos apelidos começaram por ser alcunhas devidas ao comportamento ou à aparência de certos homens e passavam depois aos descendentes, até se transformarem no nome distintivo da família.
Marcas duradouras
Não é possível seguir com exactidão os passos de Paio Peres Correia. A sua presença na corte portuguesa está assinalada em 1265, quando serviu de confirmante numa concessão dada pelo rei ao seu chanceler Estêvão Anes. Provavelmente, manteve-se como residente em Castela, mas terá vindo frequentemente a Portugal; em todo o caso, faleceu e foi sepultado em Tentudía (Castela), praça da ordem de Santiago, mas trasladado, no século XVIII, para Tavira, para a mesma igreja onde repousam os “sete cavaleiros”.
Túmulo de Dom Paio Peres Correia
Ossário dos sete cavaleiros de Dom Paio
A memória de Paio Peres Correia não é, hoje, muito viva, pelo menos na consciência da maioria dos portugueses. Mas muitos, sem o saberem, evocam-no constantemente. Por exemplo, ao pronunciarem o nome de Paio Pires, a aldeia do concelho do Seixal, estão a pronunciar também o nome do conquistador do Algarve, que fundou aquela aldeia (como se sabe, “Pires” é somente uma forma de “Peres”).
Outros falarão de Samora Correia – e estarão, também eles, a prestar involuntária e inconsciente homenagem a Paio Peres Correia. Inicialmente, a povoação (situada em terras doadas aos espatários) era apenas “Çamora”. O primeiro documento em que aparece o nome de Samora Correia data de 1300 e a explicação mais lógica é a de que o segundo nome foi acrescentado em homenagem a Paio Peres. Portanto, não foi somente no Algarve que ele deixou marcas duradouras.
Insignia da Ordem de Santiago
As imagens foram gentilmente cedidas por Pedro Oliveira Pinto, do seu romance histórico
“O Senhor de Paderne”
THE LORD OF PADERNE © Pedro Oliveira Pinto
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